* Estas correcções foram-nos enviadas pelos auctores dos artigos a que se referem. Não querem pois dizer que sejam unicas. JORNAL SCIENTIFICO E LITTERARIO SCIENCIAS MORAES E SOCIAES EXCERPTOS D'UM LIVRO INEDITO CAPITULO II logica da concepção do principio de substancia; e a applicação d'este principio áquelle phenomeno leva-nos irremissivelmente á crença em algum ser ou substancia, que elles modificam; porque sentir, pensar e querer, qualquer d'estes attributos, fôra impossivel sem um ser, por elles modificado. baixo de que relação podemos observal-o? Qual é porém a natureza d'este ser? DeQue havemos de procurar e ver nelle? Quando procedemos com ordem, o que primeiro se nos Da psychologia racional em geral A psychologia, que temos estudado, deu-nos conta dos phenomenos da alma humana; a que vamos estudar, é que deve dar-nos conta da natureza e futuros destinos d'este principio, que em nós sente, quer e pensa. Sabemos que este principio é alguma cousa, que tem consciencia de si proprio, que é o centro ou sub-antolha é a sua actividade; é uma actividade stracto dos factos, que lhe modificam a existencia; mas ainda não sabemos qual a sua natureza intima e quaes os destinos, que o aguardam, em virtude d'esta natureza. A solução d'estas questões, quem nol-a deve dar é a psychologia transcendente ou racional. CAPITULO III Da natureza do eu humano pura e inteira, a qual, ainda que sujeita a Que em cada um de nós ha o que quer que seja que sente, quer e pensa, é facto de que ninguem duvida, porque a realidade d'estes phenomenos nos é attestada directamente pela consciencia. Não ha eschola de philosophia, Que é porém esta força? É uma só ou um por mais divergente que seja do credo de multiplo d'ellas? Esclareçamos este ponto. qualquer outra, que por um momento ponha em duvida a existencia d'este principio. A haveria em cada um de nós muitos eus; dous, É evidente que se o eu fosse um multiplo sensação, o pensamento, a acção livre, attes- tres, quatro, pouco importa o numero; mas tados pela consciencia, são condição chrono-haveria um eu para sentir, outro para pensar, 1 Ha annos que um zeloso amador das lettras pa trias, o sr. Jayme C. Moniz, lamentava neste periodico que a modestia d'um illustra dissimo professor do Funchal deixasse inedito o seu excellente livro Ele mentos de philosophia racional e moral. A dedicação pela boa litteratura d'um discipulo do auctor e amigo nosso, o sr. J. A. Teixeira, poz-nos deante dos olhos uma copia do valioso trabalho de Marcelliano Ribeiro de Mendonça. Publicando estes excerptos, cremos prestar um bom serviço aos que presam tão gra ves estudos, e pagar um preito de justa consideração ao auctor da obra, e ao primeiro, que em publico lhe avaliou os quilates, ambos nossos consocios. VOL. XV. outro para querer; haveria tantos eus quantas as diversas faculdades, de que nos dá testemunho a consciencia. abrange tudo, porque é vida energica e fecunda, que póde por sua natureza e segundo as circumstancias, porque, passa prestar-se aos mais variados desenvolvimentos. Ella não é como alguma d'estas unidades de partes, que se ligam por uma relação qualquer, já no tempo, já no espaço. Nestes dois casos ha numero. Contam-se as cousas que succedem umas ás outras, como as que coexistem no mesmo ponto do tempo e do espaço. Mas quanto ao eu não ha nada d'isto. Elle não faz uma serie na duração, nem um composto no espaço; dura em força, mas ninguem póde contal-o, porque é simples; e esta simplicidade, que não cahe debaixo dos sentidos, que não é extensa nem figurada, nem sonóra nem cousa alguma similhante, acaba porisso de distinguil-o da apparente unidade dos corpos. Outro facto, que immediatamente se appresenta apóz este, é o da identidade pessoal. Esta força, que se sente no presente, cada um se lembra de a ter sentido no passado; tem memoria de si propria, como tem consciencia. É necessario pois que, de uma para outra epocha, ella não tenha tido senão uma só e a mesma existencia; é necessario que tenha durado identica em sua unidade, porque d'outro modo não reconheceria hoje ser ainda o que foi hontem; no meio de suas lembranças nada teria de pessoal, nada que lhe pertencesse realmente. Mas isto não é assim, porque, muito ao contrario, todas as suas reminiscencias andam cheias d'ella mesma, apenas haverá uma em que ella não tenha parte; logo esta actividade, que é uma, é tambem a mesma, continuamente identica e egual a si propria. A variedade das acções do eu não depõe nada contra esta perfeita identidade. Para o conhecermos basta notar-se que esta força, identica e permanente, não é um poder rigido, uniforme, feito, para assim dizer, d'uma só peça; é pelo contrario uma força viva, flexivel e susceptivel d'uma infinidade de modos diversos; e, como nunca lhe fallecem occasiões, não ha dois momentos na duração, em que ella se não mostre senhora de si propria, e debaixo de todas as fórmas, que assume, nunca deixa de ser quem é; a sua substancia fica a mesma no meio da multiplice variedade de seus di versos modos de ser. Eis aqui as quatro primeiras propriedades que o raciocinio, applicado ao testemunho da consciencia, nos descobre, no ser que denominâmos o eu. Vemos que elle é activo, é um, é simples, é identico; e estas são as suas qualidades primarias, porque sem ellas não poderá ser o que é, não podéra sentir, pensar nem querer; sem ellas implicaria contradicção a ideia de sua existencia. Eis aqui em summa os factos, em que tem de apoiar-se o raciocinio, para determinar a natureza da alma humana. ARTIGO 1.° Da immaterialidade da alma A respeito da questão da natureza do eu, toda a philosophia se divide em duas escholas: uma materialista e outra espiritualista. Sendo certo que ás impressões, que nos fazem os objectos nos orgãos, succedem no eu sensações e ideias, pergunta-se que poder occulto é este, que assim converte em sensação as impressões recebidas? Este poder, respondem os materialistas, pertence ao cerebro. O cerebro, posto em acção pelas impressões, que lhe vêm de fóra, reage sobre os nervos e sobre os musculos, e o resultado d'estas reacções são sensações e movimentos, que vêm de dentro para fóra. Os espiritualistas sustentam que, afóra o cerebro e sua reacção, ha no homem um principio activo, simples, um e identico que, excluindo toda a ideia de materia, é verdadeira- . mente um espirito. Vejamos por qual d'estas duas soluções nos havemos decidir. Por ora recebamos como hypothese a primeira solução, e vejâmos que consequencias d'ella derivam: se estas consequencias forem razoaveis absolveremos e acceitaremos a hypothese, se porém forem absurdas refutal-a-hemos como tal. Antes de entrarmos neste exame cumpre fazer algumas observações previas. Diremos que temos ideia d'uma cousa quando podemos distinguil-a de qualquer outra que ella não seja. Ora que será distinguir? Distinguimos por ex. uma rosa de um jasmim, quando, comparando a sensação do cheiro da rosa, com a do cheiro do jasmim, percebemos entre ellas uma relação de differença. Ora, é claro que se não tivessemos a faculdade de comparar aquellas sensações, nunca poderiamos perceber a differença que ha entre ellas, nunca as julgariamos distinctas uma da outra. Segue-se por tanto que o principio de todo o conhecimento está, não tanto na capacidade de receber impressões, como na faculdade, que tem o eu, de comparal-as, para conhecer a relação que ha entre ellas, para distinguil-as. Notado isto continuemos; e, para simplificar o exame a que nos propomos, figuremos uma hypothese, que sem duvida passou por nós; colloquemo-nos no caso da primeira impressão recebida, e vejâmos como esta passa a ser sensação. Para que esta impressão, puramente material, chegue a ser sensação, isto é, principio de conhecimento, é de toda a força necessario que o eu se conheça a si proprio, que anteriormente a ella tenha tido do seu estado actual um sentimento anterior; porque, d'outro modo, como saberia o eu que, com a chegada d'essa impressão, o seu estado mudou? Como haveria mudança d'um para outro estado? Como veria nessa mudança um pheno |