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ramente uma ampliação maravilhosa do quarto; porque se o sacramento da penitencia tira a culpa, o quasi sacramento da vergonha suspende a pena: vêde se é ponto de importancia para o tempo presente, e se o provo.

Ameaça Deus pelo propheta Jeremias a ruina de Jerusalem, e o desterro e o exterminio de todos os seus cidadãos: mas porque causa? Não só pelos gravissimos peccados daquella ingrata republica, senão porque peccando, não se envergonhavam, diz o mesmo propheta: Confusi sunt, quia abominationem fecerunt, quinimo non sunt confusi, et erubescere nescierunt, idcirco cadent inter corruentes in tempore visitationis suæ. (Jerem. VI -15) Chove Deus fogo sobre as cinco cidades da infame Sodoma, não ficando dos homens e das pedras mais que as cinzas; e ainda que não era necessaria mais causa, nem tanta, para tão extraordinario castigo, accrescenta Isaias que não só foi porque peccaram tão abominavelmente, senão porque não occultaram nem esconderam o seu peccado; Peccatum suum sicut Sodoma prædicaverunt, nec absconderunt (Isai. III—9) De maneira, que quando Deus executa, ou quer executar castigos, attende a sua justiça a duas coisas a primeira para a sentença à multidão e graveza dos peccados; a segunda para a execução á publicidade ou segredo com que foram commettidos; porque se os peccados são graves e publicos, executa o castigo; porém se são secretos, ainda que gravissimos, suspende a sentença. Por isso os dois prophetas sobre os dois peccados de Jerusalem e Sodoma accrescentam a publicidade com que se não envergonhavam delles nem os escondiam. Suppondo um e outro nesta condição, que se aquelles homens se envergonhassem de suas maldades e as escondessem, ainda que Deus por isso não lhes perdoasse a culpa, ao menos suspenderia a pena. Parece que se envergonha Deus de executar o castigo, quando o homem se envergonha de commetter o peccado; e se buscarmos a razão desta limitação da divina justiça, ou desta ampliação da sua misericordia, que a mim me parece verdadeira, e mui conforme às suas mesmas leis, é porque Deus instituiu a confissão do peccado por remedio do peccado; e quem peccando se envergonha do seu peccado e o esconde, ainda que não

confesse o peccado, confessa que é peccado; e basta esta meia confissão, para alcançar meia absolvição. A confissão inteira da penitencia tira a culpa, a meia confissão da vergonha suspende a pena nem é grande maravilha, que Deus pela vergonha do peccado sem confissão suspenda o castigo temporal, quando pela vergonha do peccado na confissão commuta a pena eterna.

Senhores meus (fallo com toda Italia), quando são verdadeiros os discursos não são necessarios prodigios; mas quando os prodigios e tão formidaveis, concordam com os discursos, não temer os avisos e ameaças do ceu, não só é faltar á razão, senão tambem á fé. O primeiro remedio de evitar os castigos, é tirar os peccados; o ultimo escondel-os. Se vos não envergonhaes para não peccar, ao menos peccae com vergonha.

DISCURSO QUARTO.

Elegit quinque limpidissimos lapides de torrente.—1 Reg. XVII.

Se alguma vez foi terrivel, se alguma vez formidavel e espantosa a funda de David, nunca de maior terror, nunca de maior. horror e espanto, que no tiro que faz hoje, e o estallo é um trovão, a pedra um raio: o estallo é tão horrendo e temeroso, que só ouvido fará desmaiar e tremer ao maior gigante; a pedra é tão dura e tão forte, que ainda que a testa esteja armada de aço e de diamante, a romperá sem resistencia, e a penetrará até o cerebro e qual será a ferida tão profunda e tão estranha, que em logar de tirar o sangue para fóra, o retira e recolhe todo ao coração? Este é o effeito natural do temor: e este o argumento terrivel que haveis de ouvir nesta hora; Timor suplicii: 0 temor do castigo.

Porém este argumento, direis senhores, como se póde concordar com o mez? O meu argumento, como prometti ao principio, e tenho mostrado até agora, deve ser heroico; e se é do inferno como ha de ser limpo? A pedra de hoje direis, será dura e du-* rissima; porém limpa e limpissima: Limpidissimos lapides: desta vez não. Parece-vos que todo o inferno mettido em um lambique afogueado não poderá destillar uma quinta essencia, ou de pena que seja limpa, ou de temor que seja heroico? Eu cuido que sim.

Os theologos dividem as penas do inferno em pena de sentido, que é o fogo, e em pena de damno, que é a privação da vista de Deus: mas quando eu entro com o pensamento nas entranhas mais intimas do mesmo inferno, considero cá de fóra, e a respeito de nós um tormento, e uma materia de temor mais sensivel que toda a pena do sentido, e mais ponderavel que toda a pena de damno. E que nova e inaudita pena é esta? Fogo, e eterno, não ver a Deus, e para sempre; podem admittir sobre si outro excesso de pena? Não são estas aquellas duas columnas de fogo e de nuvem; uma de fogo, que eternamente arde, outra de nuvem, que eternamente cega? Como póde logo haver algum temor tão heroico, tão generoso, tão alto, que sobre estas duas columnas se atreva a escrever plus ultra? Isto é o que eu pertendo mostrar hoje. Ouvi o meu sentimento, e espero que ha de concordar com

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Senhores meus: eu temo, como todos, as penas do inferno; porém o que me faz maior horror (deixae-me fallar assim) não é o que no inferno padecem os homens, é o que no inferno padece Deus. Que Deus por sua immensidade não só esteja no ceu, senão tambem no inferno, todos o sabeis, e credes: Si ascendero in cœlum, tu illies; si descendero in infernum, ades. Porém que no inferno tambem Deus padeça, de modo que Deus póde padecer ? Sim. Deus não pode padecer como sugeito de penas; porém póde padecer, isto é, ser offendido, como objecto de injurias: e que padece Deus por este modo no inferno? Coisa espantosa! Os condemnados padecem no inferno tudo aquillo a que Deus os condemna; e Deus padece no inferno aquillo a que não póde condemnar os condemnados. Deus manda ao meu coração que o ame, á minha lingua que o louve; porém não póde mandar ao meu coração que o aborreça, nem á minha lingua que o blasfeme; e este é o exercicio continuo de todos os condemnados, aborrecer eternamente, e blasfemar eternamente de Deus: e que eu, eu com este meu coração haja de aborrecer eternamente a Deus! E que

TOMO XII.

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eu, eu com esta minha lingua haja de blasfemar eternamente de Deus! Deus eternamente aborrecido! Deus eternamente -blasfemado! Este é o maior horror do inferno; este é o objecto mais terrivel, e mais tremendo, que se deve temer naquelle suplicio. Tendo considerado Job os mais efficazes motivos do temor do inferno, conclue, que o mais horrivel de todos é não haver alli nenhuma ordem: Ubi nullus ordo, sed sempiternus horror. (Job X -22) Bella definição, senão padecera duas grandes difficuldades: a primeira, medir o horror do inferno, não pelo fogo, nem pela privação de Deus, senão pela desordem; a segunda, suppor e dizer expressamente que no inferno não ha ordem: começando por esta ultima, Ubi nullus ordo, é theologia certa, que no inferno não só ha ordem, senão summa ordem; assim o diz Santo Agostinho, e prova maravilhosamente: Damnatus ibi est, et ita est, ubi esse, et quomodo esse ordinatissimum est. O condemnado alli está, e assim está, aonde, e como é summa ordem que esteja. Aonde está o condemnado? No inferno. E como está no inferno? Ardendo em vivas chammas. Logo aquelle logar é ordenado, e ordenadissimo, porque está o condemnado aonde, e como deve estar; aonde, porque está no inferno; e como, porque está ardendo: Ibi est, et ita est, ubi est, et quomodo esse ordinatissimum est. Assim discorre Santo Agostinho no livro sexto da Musica, aonde mostra que esta ordem ordenadissima é uma grande harmonia do universo, concertada por Deus no mesmo inferno; porque assim como à culpa sem castigo é a maior dissonancia, assim o castigo junto com a culpa é a maior harmonia. Boa doutrina para aquelles que fazem o compasso na republica. Logo se no inferno ha ordem, e summa ordem, como diz Job, que no inferno não ha ordem: Ubi nullus ordo?

• Para apertar mais a duvida, e mostrar mais claramente o modo e ordem desta ordem, oiçamos a Euzebio Emisseno, o qual com profundo juiso chamou ao fogo do inferno, fogo racional: Illa non causalis, sed rationabilis, et pænalis exustio, quia culpam jubetur inquirere, substantiam nescit absumere. Aquelle fogo, diz,

Euseb. Emiss. hom. I. ad Monach.

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