Obrazy na stronie
PDF
ePub

Transeat à me calix iste. (Matth. XXVI 39) E finalmente vendo que não era possivel, segundo os decretos divinos, foi tal e tão estranha a sua agonia, que suou copioso sangue, e foi necessario que viesse um anjo a confortal-o. Nește ponto entrou o Senhor a padecer os mesmos tormentos, e todos soffreu com admiravel paciencia e constancia, sem escusa, sem se lhe ouvir palavra, sem anticipar o sangue ás feridas, e sem que homem da terra, nem anjo do ceu o animasse: antes vendo que se acabavam, disse: Sitio: não tanto pela sede que o atormentava, como pela sede que tinha de mais padecer. Pois se agora padece com tanto valor, alegria e magnanimidade, sendo estes tormentos não outros, senão os mesmos que antevia e considerava no Horto; porque então lhe causaram tanto horror e lhe pareceram, e verdadeiramente eram, tão intoleraveis e insoffriveis, e agora não? Porque então estavam todos juntos na apprehensão e agora divididos no soffrimento: Transeat à me calix iste: então estavam todos os tormentos juntos em um calix, e este mesmo composto de todos es ingredientes da paixão, que depois bebidos por partes eram muito inferiores á sua paciencia e valor; unidos todos e representados por junto, á mesma paciencia e valor eram insupportaveis e insoffriveis. Tal foi a differença dos tormentos, que agora padecia a Senhora, aos que tinha padecido ao pé da cruz! Estes foram como os que Christo padeceu no Calvario; aquelles como os que padeceu no Horto: estes, divididos e por partes, como tormentos desta vida; aquelles todos juntos e sem successão, como os da eternidade e do inferno: Dura sicut infernus æmulatio.

Finalmente, para que lhe não faltasse a circumstancia de dureza e rigor similhante á do inferno, notae, que sendo tão grandes, não bastaram a lhe tirar a vida. Foram tão excessivos os tormentos da Virgem na paixão de seu Filho, que diz S. Bernardo, que se se repartissem por todas as creaturas viventes, bastariam a tirar a vida a todas. Mais. Era tão grande o amor da Senhora, e o affecto ternissimo, com que desejava não se apartar da presença e vista de seu Filho, que teria por grande beneficio o morrer, para que elle não morresse, como dizia David na morte de Absalão, e já que isto não pudesse ser, ao menos morrer junta

mente com elle. Pois se a Senhora desejava tanto a morte, e os tormentos eram bastantes para lhe tirar mil vidas; porque não morreu entre suas penas? Porque esta é a propriedade dos tormentos do inferno: Dura sicut infernus æmulatio: não só dura, porque atormenta duramente, senão tambem, porque atormentando, endurece a quem atormenta; e matando, immortalisa para sempre matar. Nesta vida temem os homens a morte, e todos andam fugindo della: no inferno, pelo contrario, todos desejam mormer, e a morte foge de todos: Fugiet mors ab eis. (Apoc. IX 6) Eis-aqui qual foi a dureza e o rigor dos tormentos e penas da Mãe de Deus, depois da morte de seu Filho. A de damno e a de sentido, ambas como as do inferno, em alormentar, e ambas como as do inferno em lhe não darem a morte.

Esta foi aquella grande maravilha que viu Moysés no deserto de Madian Vadam, et videbo visionem hanc magnam; quare non comburatur rubus. (Exod. III-3) O fogo desta vida consome tudo o que abraza: o fogo do inferno abraza e não consome. E que sarça era a que assim ardia, senão a que foi representada nella; e nunca com tanta propriedade como nesta hora, toda espinhos, toda tormentos; e toda dores; mas toda ardendo · em um fogo, que devendo-lhe tirar a vida, para maior continuação do sentimento, a conservava viva e immortal? O fogo do amor e dos tormentos de Christo, foi como fogo da terra, que lhe tirou a vida: Fortis est ut mors dilectio; o fogo do amor e tormentos de Maria, foi como fogo do inferno, que a endureceu contra a morte: Dura sicut infernus æmulatio. E este foi o cerco, em que aquellas dores puzeram a maior e mais angustiada alma, tão apertado, que o não podia soffrer a vida, e tão fechado, que o não podia alliviar a morte: Dolores inferni circumdederunt me. Mas o que não puderam declarar as minhas palavras, vejam agora os olhos naquella piedosa imagem, viva sem vida, e morta sem poder morrer: Vadam, et videbo visionem hanc magnam.

SERMÃO

DE S.
S. JOSÉ.

Dia em que fez annos el-rei D. João IV.

Prégado na capella real, no anno de 1642.

Cum esset desponsata Mater Jesu Maria Joseph. Matt. I-18,

I.

Questão foi mui duvidada entre os antigos, qual dia desta vida era mais feliz; se o primeiro, se o ultimo; se o do nascimento, se o da morte. D'aqui veio, que seguindo varias gentes varias opiniões, umas se alegravam nos nascimentos, outras os celebravam com lagrimas: umas se entristeciam nas mortes, outras as solemnisavam com festas. Chegou finalmente a duvida ao tribunal d'el-rei Salomão, o qual inclinando-se á parte que parecia menos provavel, resolveu, que melhor é o dia da morte, que o dia do nascimento: Melior est dies mortis die nativitatis. (Eccl. VII-2) Com isto estar resoluto e definido assim na escriptura, hoje parece que temos a mesma questão ou concordada, ou resuscitada; porque estamos por mercê de Deus em um dia tão glorioso por uma morte, tão feliz por um nascimento, que bem se póde competir dentro em si mesmo, ou a vencer

feliz suas glorias, ou a vencer glorioso suas felicidades. Consagrou-se este dia ás glorias do ceu com a morte do maior santo que nelle reina, o divino Esposo da Virgem Maria, S. José e consagrou-se outra vez o mesmo dia ás felicidades de Portugal, com o nascimento felicissimo do mais desejado rei, e mais benemerito, el-rei nosso senhor D. João, o quarto, para que sobre os trinta e oito, que hoje conta, continue por muitos e mui compridos annos as prosperidades que gosa. Morre hoje José, e nasce sua magestade. Que ventura tão reciproca ! Nem José morrendo podia deixar no mundo melhor substituto: nem sua magestade nascendo podia entrar no mundo com melhor planeta.

Estando Christo Redemptor nosso na cruz, olhou para S. João, o discipulo amado, e encarregou-lhe que tivesse cuidado de servir e acompanhar a sua Santissima Mãe. Reparam alguns santos em não dar o Senhor este cargo a outro apostolo, senão a S. João; porque ainda que em S. João concorriam todas as qualidades, em algumas era igualado, c em alguma excedido; e para mordomo da Rainha dos anjos todos o excediam no attributo da ancianidade. Pois se era mais moço João, e havia outros amados, e mais parentes, porque não escolheu Christo a outro discipulo, senão a S. João para este officio? A razão foi, porque o officio de acompanhar e servir á Senhora, era o officio de S. José em quanto viveu; e para substituir em ausencias de José quem havia de ser, senão João? Não é menos que de S. Cypriano o pensamento: Ut non tam Joseph oneretur tanti ministerii præpositura, sed Joannes. Morrera José: vagára no mundo aquelle grande logar, e para substituir em sua morte, para succeder em sua ausencia, ninguem havia no mundo que estivesse a caber, senão quem? João, o amado de Deus. João o amado de Deus substitue a José: Non tam Joseph, sed Joannes.

E isto quando? No dia de seu nascimento. Parece que não púde ser, porque nem o real, nem o nascimento podem competir a S. João aqui. Ora tudo foi. Quando Christo deu a S. João o cuidado de servir á Senhora, as palavras que disse foram estas: Mulier, ecce Filius tuus: (Joan. XIX-26) Mulher, eis-ahi teu filho : Deinde dicit discipulo: Ecce Mater tua: (Ibid. —27) João, eis-ahi

tua Mãe. Mãe e Filho de que maneira? Mãe tinha S. João, mas era Maria Salomé : Filho era, mas do Zebedeu. Pois se estes eram seus paes, como se chama João filho da Senhora, e a Senhora Mãe de João? É porque João tornou a nascer nesta hora, e nasceu só da Virgem por força das palavras de Christo. Auctores houve, e entre elles expressamente S. Pedro Damião, que disse. ram, que assim como as palavras, Hoc est Corpus meum, ditas uma vez por Christo, tiveram força para converter o pão em corpo do mesmo Christo, assim as palavras, Mulier, ecce Filius tuus, tiveram força para fazer a S. João, e o converterem de filho do Zebedeu em filho de Maria.

De maneira, que S. João teve dois nascimentos; um nascimento natural, com que nasceu filho do Zebedeu: outro nascimento sobrenatural, com que nasceu filho da Mãe de Deus. Pelo primeiro nascimento nasceu nas praias do Tiberiades; pelo segundo nascimento nasceu ao pé da cruz. Pelo primeiro nascimento nasceu de geração humilde; pelo segundo nascimento nasceu da mais illustre e real prosapia que havia no mundo, filho de uma Senhora, herdeira de um rei morto à mão de seus inimigos: Jesus Nazarenus Rex Judæorum. Assim nasceu S. João segunda vez, e assim foi necessario que nascesse, para succeder no logar de S. José como succedeu; porque só se póde substituir dignamente a morte de José, com que? Com o nascimento real de um João, o amado de Deus: Discipulum, quem diligebat: Mulier ecce Filius tuus: Non tam Joseph, sed Joannes.

II.

Só vejo me podem reparar os curiosos em fallar no dia de S. José por termos de morte, sendo que mais devia com um e outro intento chamar-lhe nascimento; porque assim chama a igreja ás mortes dos santos: Natalitia sanctorum. Se cu não fora mais amigo da verdade, que da propriedade, assim o fizera; mas as mortes de outros santos podem-se chamar nascimentos; a morte de S. José, não. As mortes de outros santos podem-se chamar nascimentos, porque quando morreram á vida temporal, nasce

« PoprzedniaDalej »