Obrazy na stronie
PDF
ePub

vossa. Já que vós não padecestes a dor da lançada, Francisco a padecerá. Assim foi; e para que o vejaes com os olhos, ponde-os naquelle galhardo mancebo, suspenso entre o ceu e a terra, pendente dos braços de uma ensinha, espirante, alanceado, morto, Bem intendeis que fallo de Absalão, figura de Christo crucificado, como dizem commummente os interpretes. Figura de Christo, porque filho de David: figura de Christo, porque o mais formoso dos homens; porque morto contra o preceito de seu pae; e finalmente, porque Absalão quer dizer: Filius patris, e filho do padre. Nem descompoem o primor da figura os peccados de Absalão; porque Christo na cruz tinha sobre si todos os peccados do mundo; e particularmente o da desobediencia de Adão.

Só Joab parece que a descompoz totalmente; porque diz o texto sagrado que pregou tres lançadas no peito de Absalão: Infixit tres lanceas in corde Absalon. (2 Reg. XVIII — 14) Pois se Absalão era figura de Christo, e o peito de Christo foi aberto com uma só lança: Lancea latus ejus aperuit; como se vêem tres lanças no peito de Absalão? A segunda lança bem suspeito eu qual foi; porque vejo ao pé da cruz aquella affligidissima Mãe, a quem disse Simeão: Tuam ipsius animam pertransibit gladius. (Luc. II-35) Qual foi logo a terceira lança, e qual o peito que traspassou e feriu? Claro está que foi o peito de Francisco; mas com admiravel propriedade e differença. A lança que abriu o peito de Christo, foi uma só, mas as lançadas foram tres: uma em Christo, outra em Maria, outra em Francisco. A de Christo feriu o corpo, mas não feriu a alma: a de Maria feriu a alma, mas não feriu o corpo: a de Francisco feriu o corpo, e juntamente a alma. Christo recebeu o golpe, mas não sentiu a dor: Maria sentiu a dor, mas não recebeu o golpe Francisco recebeu o golpe, e sentiu a dor.

Mas, Francisco meu, segunda estampa de Christo: não bastará que se conforme a estampa com o original? Se as vossas chagas sãos ensitivas e racionaes, ponhamol-as em razão. As quatro que Christo padeceu, padecei-as: a quinta que elle recebeu, e não sentiu, tende-a embora no peito, mas não a pade

çaes. Doei-vos com Christo vivo e doloroso; mas doer-vos tambem com Christo morto, quando já não padece, nem póde padecer dor? Sim; porque a primeira dor foi compaixão, a segunda é fineza. Mostraram dor, e publicaram sentimento na paixão e morte de Christo, todas as creaturas insensiveis do ceu, e todas as da terra; mas com uma differença porventura não advertida. O sol escureceu-se em todas as tres horas em que Christo esteve vivo na cruz: tanto que o Senhor espirou, tirou o capuz o sol, e tornou-se a revestir de luz, e alegrou o mundo como d'antes: A sexta autem hora tenebræ faciæ sunt super universam terram, usque ad horam nonam. (Matth. XXVII -45) A terra não o fez assim: em quanto Christo esteve vivo na cruz, estiveram suspensas todas as creaturas do mundo inferior tanto que o Senhor espirou, treme a terra, quebram-se as pedras, abrem-se as sepulturas, rasga-se o veo do templo: tudo confusão, tudo tristeza, tudo dor, tudo sentimento: Exclamans voce magna emisit spiritum: et ecce velum templi scissum est in duas partes: terra mola est: petræ scissæ sunt: el monumenta aperta sunt. (Ibid. — 50, 51 e 52) Pergunto agora: E qual foi maior demonstração de amor, a do ceu, ou a da terra? Em genero de fineza, não ha duvida que a da terra. O ceu obrou como compassivo: a terra como fina. O ceu como compassivo; porque se condoeu com quem padecia: a terra como fina; porque se doeu de quem já não padecia, nem podia padecer. Como a terra é a patria das dores, não é muito que em se saber doer vencesse ao ceu.

Mas estes extremos, que entre o ceu e a terra estiveram divididos, ambos se uniram e multiplicaram no coração de Francisco, que póde ensinar amor ao ceu e á terra. Não se contentou com o conselho do apostolo: Hoc enim sentite in vobis, quod et in Christo Jesus. (Filip. II-5) Sentiu o que Christo sentiu, e o que não sentiu tambem: padecente com Christo padecente, e padecente com Christo impassivel. Nas quatro chagas padecente com Christo, porque Christo as padeceu ; na quinta chaga padecente por Christo, porque ainda que Christo a não padeceu, era chaga de Christo. Este foi o porquê. Mas para que ?

Para que a dor que faltou no lado de Christo, se supprisse na dor do lado de Francisco: Adimpleo ea, quæ desunt passionum Christi in carne mea.

VI.

Tenho acabado o meu discurso, e só quizera que o fim delle fosse o mesmo fim que teve Christo nesta segunda impressão das suas chagas. Qual foi o fim em respeito de nós, por que tornou a estampar Christo as suas chagas em S. Francisco? Só Roma como interprete de todos os oraculos divinos, o podia saber dizer, e ella o disse: Qui frigescente mundo, ad inflammanda corda nostra tui amoris igne, in carne beatissimi Francisci passionis tuæ stigmata renovasti. Renovou Christo as suas chagas em Francisco, para que o mundo que tanto se vae esfriando, se accendesse no fogo do seu amor. Pois para accender e inflammar o mundo naquelle fogo, que Christo veio trazer á terra, não seriam mais efficazes as chagas do mesmo Christo? Não; porque as chagas de Christo, ainda que accendem por uma parte, por outra parte esfriam. Ao exemplo de Christo posso responder que elle era homem, e Deus; mas eu sou homem somente. Esta escusa da nossa fraqueza é a que nos esfria. Mas ao exemplo de Francisco, que era homem como eu, não tenho outra resposta, senão arder como elle. S. Paulo que foi o S. Francisco do apostolado: Ego stigmata Domini Jesu in corpore meo porto; (Gal. VI17) que é o que dizia? Que imitassemos a Christo, e as suas chagas? Não: Imitatoris mei estote, sicut et ego Christi: (1 Cor. IV—16) não dizia que imitassemos a Christo, senão a elle; porque para imitar a Christo, podia ter alguma escusa a nossa fraqueza; mas para imitar a Paulo, puro homem como nós, não podemos ter nenhuma escusa. Os raios que despedidos do corpo do sol não accendem, passados por uma vidraça ferem fogo. Por isso se entrou Christo crucificado naquelle espelho de Francisco: Ut frigescente mundo, inflammaret corda nostra.

E se é necessario que a materia esteja disposta, em nenhuma parte do mundo ha mais apparelhadas disposições, que nos corações de Italia. Grande caso é, e tão glorioso como grande, que

TOMO XI.

36

[ocr errors]

imprimindo Christo duas vezes as suas chagas, ou visivel ou invisivelmente, ambas estas impressões se fizessem em Italia: as chagas invisiveis em Catharina de Sena: as chagas visiveis em Francisco de Assis. Oh gloriosa nação, escolhida e amada de Christo para se transformar nella! Esta é aquella unica nação, na qual se verificou o que tinha prophetisado a sabedoria da imagem de Christo transformada: Imago bonitatis illius: et in se permanens omnia innoval, et per nationes in animas sanctas se transfert. (Sap. VII -- 2 e 7) Arda pois Italia neste divino fogo, e arda Roma; que se a cabeça do mundo arder, todo o mundo, por mais frio que esteja, se inflammará. E com esta ultima efficacia de suas chagas supprirá tambem Francisco o effeito que ainda falta ás chagas de Christo: Adimpleo ea, quæ desunt passionum Christi, in carne mea.

SERMÃO

ᎠᎪ

RESURREIÇÃO DE CHRISTO.

Prégado na matriz da cidade de Belem do Pará, no anno de 1658.

Nolite expavescere; Jesum quæritis Nazarenum, crucifixum; surrexit, non est hic. Marc. XVI.

I.

Que parecidas são as obras de Christo, ainda as que menos se parecem! As tristes e as alegres : as dolorosas e as gloriosas: as de sua morte, e as de sua resurreição, todas causam os mesmos effeitos. Pasmadas deixámos as Marias olhando para o sepulchro de Christo, quando se fechou, e pasmadas por deixarem alli morto a seu Senhor: Erat autem ibi Maria Magdalene, et altera Maria, sedentes contra sepulchrum. (Matth. XXVII — 61) Pasmadas acho hoje outra vez as mesmas Marias no mesmo sepulchro: e pasmadas de o acharem resuscitado: Nolite expavescere: Jesum quaritis: surrexit. De maneira que Christo morto faz pasmar com a sua morte: e Christo resuscitado faz pasmar com a sua resurreição, sendo a resurreição e a morte duas coisas tão encontradas. Entraram as

« PoprzedniaDalej »