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dis loqui; nec enim posterius prioris (ut quidam putant) explicatio est, sed potius probatio. Grandes palavras estas ultimas. Quando Christo diz que ha de deixar seu corpo debaixo das especies de pão, acrescenta, que é o mesmo corpo, que havia de entregar nas mãos dos homens; e isto diz S. Cyrillo, não foi explicação de ser, o que deixava, seu corpo, senão prova de que o era Nec enim posterius prioris explicatio est, sed potius probatio. A evidencia com que padeceu, fez prova da inevidencia com que se deixou encobrem-n'o os accidentes, descobre-o a paciencia: até agora era mysterio encoberto, agora é sacramento manifesto: para que intendamos que se não encontra a magnanimidade de sua paciencia com a verdade de sua presença, antes de uma se infere outra. Soffre? Pois está presente: Hic est panes, qui de cælo descendit.

VI.

Este sois, Senhor, este sois; este é o summo de vossa grandeza; este é o summo de vossa Magestade; este é o summo de vosso poder. Pouco conhece a omnipotencia de vossa divindade, quem a não reconhece e adora mais descuberta e manifesta na vossa paciencia. Podeis desfazer, podeis destruir, podeis assolar, podeis anniquilar o mundo em castigo e vingança de vossas offensas, e parecendo que este é todo o vosso poder, ainda podeis mais e que? Podeis perdoar, podeis não castigar, nem vingar essas mesmas offensas. Assim o crê e canta sem adulação vossa mesma egreja: Qui omnipotentiam tuam parcendo maximè, et miserando manifestas: Vós sois, diz aquella omnipotente divindade, que em perdoar, e não castigar, em soffrer, e não vingar, ostenta mais o summo poder de sua omnipotencia. Muito nos peza de que houvesse entre nós tão pouca fé, que se atrevesse a offender vossa occulta magestade debaixo da sombra desses accidentes invisivel. Porém nós que invisivel, e sem a vermos a cremos tão claramente, como se a viramos, em distinguir o castigo da satisfação, imitamos, quanto nos é possivel, os primores soberanos de vossa justiça. Assim como casti

gastes a infidelidade de Adão com a sentença de morte, assim castigou esta o zelo vigilantissimo de Portugal com a morte mais severa. Mas porque Adão e um sugeito de barro não podia satisfazer á infinita Magestade de Deus offendido, assim como mandou Deus seu proprio Filho, para que elle em pessoa satisfizesse por aquella culpa, assim o fez, e faz nestes tres dias Lisboa, no modo que lhe é possivel. Os reis, os principes, a primeira e mais illustre nobreza são as deidades cá da terra; essas tendes, Senhor, prostradas diante desse throno, todas com nome de perpetuos escravos desse sacrosanto mysterio: para que vossa mesma Magestade offendida, se digne de acceitar a sua fé, a sua adoração, e o seu profundissimo conhecimento e obsequio, em satisfação e desaggravo desta offensa.

TOMO XI.

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SERMÃO

DAS

CHAGAS DE S. FRANCISCO.

Prégado em Roma na archi-irmandade das mesmas chagas, no anno de 1672.

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A segunda estampa de Christo crucificado (que no original toscano se diz com propriedade e elegancia, que não cabe na nossa lingua, In crucifisso ristampato) por ventura com maior e melhor novidade, da que promettem as segundas impressões, será hoje a materia do meu discurso. O discurso será meu: as palavras, nem minhas, nem vossas. Não minhas, porque de lingua estranha; não vossas, porque mal polidas, e duramente pronunciadas. Mas esta dissonancia tão conhecida a que me obrigastes, se supprirá com vantagem, e ainda com harmonia, nas mesmas chagas de Francisco, que celebramos; se as ouvirdes a ellas e não a mim.

Olhae, senhores, para aquellas chagas. Oh que silencio! Oh que

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vozes! Oh que clamores! Aquellas chagas abertas são cinco boccas: aquelle sangue ardentemente gelado nellas, são cinco linguas, que ferindo os olhos mais cegos, penetram os ouvidos mais surdos. Ou as vejaes como chagas de Christo impressas em Francisco, ou como chagas de Francisco transformado em Christo, de todo o modo são boccas, são linguas, são vozes. Das chagas de Christo disse Ruperto: Quot in Christi corpore plagæ, lot linguæ ; e das chagas de um pobre chagado, como Francisco, disse Chrysologo: Ut in admonendo divite tot essent pauperis ora, quot vulnera. A estas vozes convido hoje, senhores, não os vossos ouvidos, senão os vossos olhos. Quando Deus dava a lei a Moysés no monte Sinay, diz o texto sagrado que o povo todo estava vendo as vozes: Populus autem videbat voces. (Exod. XX 18) Notavel dizer! O ver é acção dos olhos: as vozes são objecto dos ouvidos; pois como se viam as vozes? Estava o monte Sinay ardendo em chammas: estava Moyses transportado em Deus, facie ad faciem estava o mesmo Deus feito esculptor imprimindo caracteres nas taboas da lei e á vista de uma visão tão estupenda, sairam os sentidos humanos fóra de sua esphera; e viam os homens com os ouvidos, e ouviam com os olhos: Populus autem videbat voces.

Assim é. Passemos do monte, Sinay ao monte Alverno, que vae o amor de monte a monte. Arde o monte todo em lavaredas seraficas: Francisco arrebatado, e extatico de face a face com Christo Christo Esculptor e Impressor Divino estampando, nelle as suas chagas: Christo fóra de si transformado em Francisco: Francisco fóra de si transformado em Christo. Sáiam logo tambem fóra de si os sentidos, e transformando-se os ouvidos em olhos, os olhos oiçam, e os ouvidos vejam. Os ouvidos, já que não teem que ouvir nas minhas palavras, vejam; e os olhos, já que teem tanto que ver nas chagas de Francisco, oiçam. Os olhos ouvirão bem, vendo bem os ouvidos verão bem, ouvindo mal. E que hão de ver e ouvir? O que disse no principio: a imagem de Christo segunda vez estampada. Este é o meu assumpto.

II.

Mas porque razão, saibamos, quiz Christo restampar as suas chagas? Porque quiz fazer esta segunda esculptura, e esta segunda impressão dellas? A razão está nas palavras que tomei por thema : Ad impleo ea, quæ desunt passionum Christi in carne mea. Aquelle ad, no texto original é re; reimpleo. Quando a primeira impressão sáe defeituosa, faz-se segunda impressão mais correcta, em que se emendam os defeitos da primeira. Isto é o que fez Christo. Tornou a restampar as suas chagas em Francisco para emendar nesta segunda impressão os defeitos da primeira estampa. Quæ desunt; eis ahi os defeitos: Reimpleo; eis ahi a reimpressão: Passionum Christi; eis ahi as chagas: In carne mea; eis ahi o corpo de Francisco. Que este logar se intenda particularmente das chagas de Christo, e das chagas de Christo depois de subir ao ceu communicadas na terra a um substituto do mesmo Christo, qual era S. Francisco, assim o dizem S. João Chrysostomo e Theofilacto: Quemadmodum si, duce exercitus abeunte, Subimperator in ejus locum constitutus vulnera ipsius recipiat.

Mas vejo que me dizem todos: defeitos nas chagas de Christo? Naquellas chagas de infinito preço, de infinito valor, de infinito merito, de infinita perfeição, póde caber algum defeito? Primeiramente a palavra não é minha, senão de S. Paulo, que fallava com muita theologia, e com muita reverencia. Isso quer dizer: Ea, quæ desunt. E na lingua grega, em que S. Paulo escreveu, ainda está mais expressa a mesma palavra. Por onde a versão syriaca em logar de que desunt, trasladou, defectus: Adimpleo defectus passionum Christi. Pois que defeitos foram estes das chagas de Christo? Claro está que não foram, nem podiam ser defeitos do original, mas foram defeitos da impressão. Na primeira impressão das chagas de Christo no monte Calvario, se bem se consideram todas suas circumstancias, achareis que houve tres defeitos: um da parte dos impressores, outro da parte dos instrumentos, outro da parte das mesmas chagas impressas. E todos estes defeitos foram correctos e emen

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