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da-se á alma, e corte-se por onde se cortar, ainda que seja pelo sangue e pela vida.

Dizei-me, christãos: Se vos vireis em poder de um tyranno que vos quizesse tirar a vida pela fé de Christo; que havieis de fazer? Dar a vida, e mil vidas. Pois o mesmo é dar a vida pela fé de Deus, que dar a vida pelo serviço de Deus. Não ha mais cruel tyranno, que a pobreza e a necessidade; e padecer ás mãos deste tyranno, por não offender a Deus, tambem é ser martyr, diz S. Agostinho. Nada disto ha de ser necessario, como já vos tenho dito; mas quem é christão verdadeiro, ha de estar com este animo, e com esta resolução.

Senhor Jesus: este é o animo, e esta a resolução, com que estão de hoje por diante estes vossos tão fieis catholicos. Ninguem ha aqui que queira outro interesse mais que servir-vos: ninguem ha que queira outra conveniencia mais que amar-vos; ninguem ha que tenha outra ambição mais, que de estar eternamente obediente, e rendido a vossos pés. A vossos pés está a fazenda, a vossos pés estão os interesses, a vossos pés estão os escravos, a vossos pés estão os filhos, á vossos pés está o sangue, a vossos pés está a vida; para que corteis por ella e por elles, para que façaes de tudo e de todos o que for mais conforme á vossa santa lei. Não é assim, christãos? Assim é, assim o digo, assim o digo e prometto a Deus em nome de todos. Victoria, pois, por parte de Christo, victoria, victoria contra a maior tentação do demonio. Morra o demonio, morram suas tentações, morra o peccado, morra o inferno, morra a ambição, morra o interesse; e viva só o serviço de Deus, viva a fé, viva a christandade, viva a consciencia, viva a alma, viva a lei de Deus, e o que ella ordenar, viva Deus, e vivamos todos: nesta vida com muita abundancia de bens, principalmente os da graça; e na outra por toda a eternidade os da gloria: Ad quam nos, etc.

SERMÃO

DA

CONCEIÇÃO DA VIRGEM SENHORA NOSSA.

Prégado pelo auctor, antes de ser sacerdote, na Bahia, e na egreja da mesma invocação, que por estar na praia, se julga extra-muros, no anno de 1635.

David autem rex genuil Salomonem ex ea, quæ fuit Uria.-Matth. I.

Começar pelos fins, e acabar pelos principios, são primores da omnipotencia de Deus, e subtilezas de sua divina sabedoria. Edificou o Creador esta grandiosa fabrica do mundo, e diz o texto sagrado, que primeiro fez o ceu, e depois a terra: In principio creavit Deus cælum, et terram. (Gen. I-1) É explicação e admiração juntamente de S. João Chrysostomo, o qual diz assim: Deus præter humannm morem, suum perficiens ædificium, prius cælum extendit, posteà et terram substernit: prius culmen, et posteà fundamentum. Quis tale vidit? Quis tale audivit ? Quem viu nunca tal architectura? Quem viu nunca tal traça, diz Chrysos

tomo, que para fazer um edificio, primeiro se arme o tecto, do que se levantem as paredes; primeiro se fechem as abobadas, do que se abram os alicerces? Pois isto é o que obrou na creação e fabrica do mundo o supremo Architecto delle: Creavit cælum, et terram. Primeiro fez o ceu, e depois a terra: primeiro levantou o tecto, e depois armou as paredes: primeiro correu essas abobadas, e depois fundou estes alicerces: Sed ex ipso opificii modo divinæ naturæ dignitas innotescit, conclue o santo: mas nestes avessos do fraco poder humano consiste o direito, o sublime, o maravilhoso da omnipotencia divina: em começar por onde os homens acabam; em acabar por onde elles começam.

Toda esta traça tão milagrosa da creação do mundo, nenhuma outra coisa foi, senão uma planta ou debuxo da Conceição purissima de Maria, mundo segundo, que para o segundo Adão, Christo, singular e milagrosamente foi edificado. Toda a architectura andou trocada neste soberano edificio, toda andou ás avessas. Nos outros edificios espirituaes, nas outras puras creaturas, por mais santas e santificadas que sejam, a primeira pedra é da natureza, e a segunda da graça. Primeiro se edificam pela parte da terra, e depois pela parte do ceu. Primeiro nascem tributarias ao peccado de Adão, e depois renascem justificadas pelos merecimentos de Christo. Não assim na Conceição de Maria. Começou-se este milagroso edificio pelo muito que tinha do ceu, e acabou-se pelo pouco que participava da terra. Primeiro se fecharam as abobadas do espirito, e depois se lançaram os fundamentos do corpo. Primeiro (ou quasi primeiro) a santificou a graça, e depois a produziu a natureza. Que elegante e que expressamente o disse S. João Damasceno: Natura voluit in conceptione Virginis gratiæ cedere, ut Virginis conceptio gratiæ Dei, non viribus naturæ tribueretur. A natureza, que em todas as outras conceições costuma ser a primeira, cedeu de seu direito nesta obra, e concedeu-o á graça. As prevenções da graça puzeram a primeira pedra no edificio; e as excepções da natureza a segunda. Primeiro foi em Maria o ser santa, que o ser mulher. Começou Deus na Virgem Santissima, por onde acaba nos outros santos, e acabou por onde começa. Lá começa pela natureza, e acaba pela graça : cá come

çou pela graça, e acabou pela natureza; manifestando as delicadezas de sua sabedoria nestes trocados de sua omnipotencia: Ut Virginis conceptio gratia Dei, non viribus naturæ tribuere

tur.

Ora em dia, e em obra em que o mesmo Deus andou ás avessas, tambem eu não quero prégar ás direitas. Havemos de começar hoje pelo fim, e acabar pelo principio. Havemos de acabar por onde os outros começam, e começar por onde acabam. Os outros sermões começam pela explicação do thema, e acabam pela prova do assumpto: este hoje ha de começar pela prova do assumpto, e acabar pela explicação do thema. Isto posto, não nos resta mais que pedir a graça á cheia de graça : Ave Maria.

II.

David autem rex genuit Salomonem ex ea, quæ fuit Uria.

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Pois havemos de prégar hoje ás avessas; pois se ha de começar este edificio pelo ar, seja pelo ar e graça da mais formosa de todas as mulheres. O Esposo sagrado, nos Cantares, fallando da formosura de sua Mãe e Esposa, a Virgem purissima, diz assim no cap. 6. Pulchra es amica mea, suavis, et decora sicut Hierusalem (Cant. VI—3) Sois formosa e suave amiga minha, tão formosa como a cidade de Jerusalem. Galante comparação por certo! Já que o Esposo se não fizesse astrologo, como se fazem commum mente todos os amantes; já que não comparasse a formosura que adorava, ao sol, á lua, ás estrellas, por que a não compara, como pastor, ás flores do campo, ás rosas, aos cravos, aos jasmins, ás açucenas? Comparar a formosura de um rosto a uma cidade: Decora sicut Hierusalem? Quem viu nunca tal comparação? Seguem varios pensamentos os expositores: melhor que todos o Legionense: Ea erat sponsa pulchritudininis magnitudo, ea oris et corporis totius majestas, ut non posse declarari putaret, nisi similitudine earum rerum, quæ non solum pulchræ, sed ampla etiam, et multa rerum varietate præditæ sunt, quales sunt urbes regia. Era tão grande a formosura

daquelle rosto; era tão grande a magestade daquella formosura; havia tanto que ver naquelle pequeno espaço; havia tanto que admirar naquella breve esphera, que não achou o Esposo coisa alguma tão formosa e grande a que a comparar senão ao emporio de muitas grandezas, quaes são as cidades reaes e metropoles do mundo.

Entra um perigrino em uma cidade metropole, qual naquelle tempo era Jerusalem, e hoje é Roma; vê torres, vê templos, vê palacios, vê jardins artificiosos, em que vence a arte a natureza, e por mais que veja, sempre lhe fica mais que ver; por mais que admire, sempre lhe fica mais que admirar; não lhe basta um dia, nem muitos dias: quando cuida que acabou de notar tudo, ainda lhe fica muito que observar de novo. Tal diz o Verbo encarnado é a formosura da sua Esposa Decora sicut, Hierusalem. Depois de visto uma vez, e outra vez, sempre ha que ver nesse rosto: depois de admirada um dia, e outro dia, sempre ha que admirar nessa formosura. Chamou Santo Agostinho á formosura de Deus: Pulchritudo nova, et antiqua, formosura antiga, mas sempre nova. As formosuras mortaes, no primeiro dia agradam, no segundo enfastiam; são livros, que uma vez lidos, não teem mais que ler: não assim a formosura divina. Mil e seiscentos annos ha, que o Baptista está vendo o rosto de Deus: mil e seiscentos annos ha, que está lendo por aquelle livro eterno, e sempre acha de novo que ver, sempre acha de novo que contemplar naquelle mar de formosura, naquelle abysmo de perfeições. Taes attributos reconhecia o Esposo na formosura infinita de Maria; por isso a compara a uma cidade real, em que sempre ha que ver de novo: Decora sicut Hierusalem.

Com algum escrupulo levantei a comparação de Jerusalem, e a da formusura da Virgem Maria á do rosto de Deus na Jerusalem do ceu; mas deste escrupulo me livrou S. Gregorio Nazianzeno (por antonomasia, entre todos os doutores da egreja, o theologo) o qual commentando as mesmas palavras do Esposo: Decora sicut Hierusalem, as não intende da Jerusalem da terra, senão da do ceu: Decora sicut cælestis Hierusalem.

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